Alô, iniludível

A semana foi um pouco esquisita, nos preparávamos para escrever sobre os desdobramentos da entrevista de Eduardo Campos ao Jornal Nacional, quando o sem sentido invadiu a sala. Acostumados à infâmia da piada que deixa a rotina menos pesada, ninguém se arriscava a nada. As preferências partidárias sequer entraram em jogo, estava todo mundo triste e meio embasbacado porque a indesejada das gentes não é caroável, Manuel Bandeira. Voltei do trabalho exausta naquela noite e nas seguintes, muito menos pelo volume de funções do que pelo sensível que essa história e todas as outras que existem dentro dela trouxeram (um assessor com 4 meses de casamento, um co-piloto que deixa uma esposa grávida, um fotógrafo que dizia viver seu melhor momento). Então eu me lembro da Rose falando numa dessas noites geladas de Barbacena que a vida é um sopro. E reflito sobre o meu próprio projeto, quanto há de engavetado, mal-ajambrado, à espera de uma condição ideal que se não for priorizada, pode não vir? Acho que foi um pouco assim pra todo mundo que se abriu ao confronto com a própria humanidade. Na semana em que Campos morreu, já ouvi gente considerando a maternidade, considerando chutar o balde, considerando mudar de emprego, considerando mudar de país.  Eu considero parar de considerar e depois fazer tudo igualzinho. Considero que a gente passarinhe mais neste mundo em que muitos passarão.

O sol de todo dia

Continuo quebrando ovos temendo encontrar pintinhos; continuo sentindo uma ternura meio diaspórica, coração entre tantas fronteiras que me foram permitidas enquanto casas; continuo procrastinando; continuo fazendo um monte de coisas igualzinho. Por outra via, ganhei uma nova vida. A reintegração de posse dos dias me fez ver a bagunça causada pela vampirice. Enquanto passarinha, tomo o café da manhã de segunda com a mesma alegria de piquenique em toalha xadrez. Salto da cama antes do despertador com vontade de saudar o sol. Consigo avançar nos livros sem a demanda hercúlea dos tempos de ponta-cabeça.

Ainda assim, agradeço por ter ganhado nessa loteria do avesso que foi começar na madrugada. Foi lá que conheci um monte de gente jovem bacanuda que quer fazer a diferença no emprego público nesse mar de pessoas batendo cartão. E essa turma acabou assinando ponto nos meus afetos. Contrariamos o discurso corporativista do individualismo muito bem, obrigada. A madrugada foi suportável por quase dois anos porque brigamos juntos pelo direito supremo à vida, ainda que isso significasse abrir o primeiro vinho às quatro da matina de sábado.

Sei que, mesmo com toda a alegria trazida pela possibilidade de dormir à noite e por não ter que ingerir vitamina D em cápsulas, uma coisa não mudou. Domingos são de uma dureza rochosa, ainda que tudo em paz.

Refestança

Acabo de descobrir o elixir da juventude, ao alcance de todos e distante das filas dos consultórios dermatológicos. Ganhei uma mochila de couro, da qual desconfiei em um primeiro momento mantendo no anonimato do armário. Quando a adultice da vida pesou, meti-lhe um pequeno kit de sobrevivência e substituí a bolsa sem a menor cerimônia. Automaticamente senti o alívio de anos, perdi uns cinco só no primeiro momento da caminhada com a mochilinha. Gostei tanto do efeito ao longo do dia que fui trabalhar com a dita cuja à noite. Minutos antes do expediente acabar, ainda havendo um pouco a ser feito para a finalização, coloquei a mochila nas costas e me voluntariei para pegar algo na geladeira da copa. Era como se a bolsa nas costas aliviasse todo o peso nos ombros, desfilava juventude no trajeto habitualmente percorrido e por vezes despercebido. A mochilinha me fazia querer dar uns pulos de pipoca, como quando saltitava para a escola pela rua XV às seis e cinquenta da manhã com medo de fecharem o portão antes que conseguisse entregar a carteirinha e partir para o primeiro horário. Desde a descoberta do que essa mochila traz, tenho adequado meu vestuário para que fique estiloso com couro caramelo. Minha pele nunca esteve tão bem e até angústia adolescente eu me pus a sofrer. Ainda dormirei com essa mochilinha, só para lembrar quais eram os sonhos de outros tempos.

Mesmo com o todavia

Ainda nem viajei, mas um e-mail na caixa de entrada sugere que faça o check-in da volta. Vai devagar, aérea, o correr dos dias já adora nos atropelar, então nos permita um céu de brigadeiro, faça o favor. Eu, que tanto temia os 27, fui ter com ele entre velhos e novos amigos, pães de açúcar e o Planalto, recebendo carinho que “imensa”, como diria Manoel de Barros. Afeto embrulhadinho em laço de fita bem dado e deixado na portaria; em cartão confeccionado com cola papel tesoura; em surpresa com chapéu da infância, todo mundo maior e vacinado usando joaninha na cabeça; na forma de guias de viagem onde cabem os planos futuros; na presepada da conversa de puta (a que Deus não escuta) com quem estava por perto; no falar/escrever apertadinho de saudade de quem está longe. É mesmo de um encantamento danado essa esquisitice do viver, tenho uma gama de casos que reforçam a tese, fico com o mais recente.

Um dia após os 27, dançando na Lapa, a amiga candanga que é quase xará, erra a mão na mistura dos bons drinques e acerta meu pé. Amizade batizada por vomitada no pé e segurada de testa se eterniza. Estava muito empolgada com o Rio, mas descrente da gentileza carioca, a qual não havia sido vista por ela até então. Pedia para encontrar um carioca gentil antes de deixarmos a cidade. Bastou sentarmos na tentativa de que aquele panapaná no estômago da amiga se acalmasse para que o garçom cativado por ela momentos antes aparecesse com uma água tônica nunca debitada, enchendo o copo e segurando a fim de que se refizesse. Ela se hidratava como um felino bebendo leite, ele segurava o copo com paciência e firmeza, não deu muita ligança para o que dissemos enquanto grupo, estava mais empenhado na sua missão. Na saída da casa, o pipoqueiro também quis incluir-se na corrente, preparou um pacotinho de pipoca que encheu de leite condensado com a recomendação expressa de que ela comesse tudo. A panaceia não foi tão efetiva quanto uma noite de sono, mas o mal estar causado pelas indelicadezas anteriores estava curado.

Entonces sigamos assim, celebrando o agrado e tomando água tônica para o resto, porque, como diria Nelson Rodrigues: “Sem paixão não dá para chupar nem um picolé”.

Technicolor

Andava adiando a escrita após, em uma passagem pela capital mineira, a frase “Ela tem um blog que acompanho” tornar-se parte do meu cartão de visita e vir seguida de alguma piada sobre “querido diário”. A primeira pessoa sempre me deu, assim, um medão, porque há tanta gente babaca contida em uma única pessoa e eu, que nunca desejei ser boboca em pessoa nenhuma, mal conto pros outros que tenho um Blog cujo endereço é um imperativo canibalesco, “Coma feto”, tranquilinho! Fato é, passou o carnaval, e, quando se carnavaliza de dia e se trabalha à noite, toda a plenitude de sentido de quatro dias parece ir embora com as cinzas da quarta. Porque Brasília esteve bonita que só e foi uma grata surpresa, como uma chuva de confetes, para meu coraçãozinho. O sábado num bloco que prometia ficar na contabilidade como o único do carnaval, foi só o aperitivo para a ideia possível de ter muita diversão na cidade de onde pagam caro pra sair nos feriados prolongados.

A falta de necessidade de fazer sentido nesses dias é tão maravilhosa que deveria ser adotada na vida cotidiana. Diálogo do encontro com um pelinha num bloco insistindo numa conversa que dá uma preguiça domingueira querendo metodologia e fundamentação teórica sobre a fantasia de carnaval a qual deveria consistir em uma roupa de dormir: 

– Mas isso é uma camisola comum, não é uma fantasia e blá blá blá…

– É que durmo sem roupa. Tchau!

Chatice da Terra, se você não tira férias no carnaval, ao menos tem sua aceitação social diminuída. Por isso amo a festa e canto, pulo, pulo, canto, sinto que tenho os amigos mais legais e animados do mundo, capazes de trocar a rigorosa dieta paleolítica por um cachorro-quente de carrocinha, lançar aforismas na fila do banheiro químico, adaptar marchinhas pra os amores e dissabores nossos de cada dia, achar uma lindura as luzinhas verdes que iluminavam o Banco Central, comprar as ideias mais marmoteiras para render o chiste, e conhecermos o outro que é boa gente e nos faz ver o quanto podemos ser bairristas enquanto grupo (e como puxa-sacos da Asa Norte também).

Enquanto o de 2015 não vem, podemos promover carnavais fora de época. A proximidade dos 27 começou a pesar em algum lugar – não sei se após cair em um bloco infantil acidentalmente porque a descrição sobre a banda de pífano esqueceu a menção do traga seu filhote o que culminou em ouvir alguns diálogos acidentais sobre papinha sem glúten e sem lactose -, então resolvi que receber a nova idade no Rio faria de mim alguém muito mais jovem. Está marcado, levem confetes, serpentinas e preparem o samba no pé porque nosso bloco sai quando quer! 

    

 

 

       

 

Hay que saberla bailar

Duas malas esperam ser desfeitas há uma semana, as contemplo vislumbrando o um mês de história que guardam, não merecem qualquer essa vai pro cesto de roupa suja ou para a fantasiosa pilha de roupas por passar que repentinamente não precisam mais ser passadas a depender da necessidade de utilização. Brasília em janeiro é ainda mais vazia de gente, Brasília em janeiro são restaurantes fechados para almoço, Brasília em janeiro são férias coletivas. Caminho por Brasília pensando que moraria em Buenos Aires, seria uma milongueira exímia e em menos de um ano o passo da anêmona ganharia variações muy sensuais ao som de Gardel. Viajar é sempre imaginar todas as nossas vidas possíveis e carregar um pouco de açúcar e canela para polvilhar o correr dos dias. Então a hora de desfazer a mala virá e, se a preguiça macunaímica insistir no momento ritualístico, a necessidade cotidiana e supostamente civilizada de usar roupas falará mais alto.

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O nosso bloco é campeão

Um dia, Pessoa, como Ricardo Reis, me ensinou que para ser grande, era preciso ser inteiro. Na última metade de mês andei, assim, meio ausente de alguns mundos casando uma amiga no papel de dama de honra levemente indecente/altamente sorridente e dizendo sim, aceito, à greve na EBC. Estava toda nisso, talvez tenha ficado um pouco monotemática, exageradamente emocional, mas a cada assembleia – muito pelas horas passadas com o bumbum duro na escadaria da empresa ouvindo depoimentos, argumentos, negociações – eu sentia que fazia parte de um time que acredita numa possibilidade diferente de comunicação, mas que via as vontades esbarrarem em instâncias absurdas de poder. Em uma empresa de comunicação pública, era como se negociássemos com a rede Globo, sugiro os vídeos das audiências de conciliação no canal do Tribunal Superior do Trabalho, no YouTube.

No meio desse caminho, completei um ano de Brasília, ganhando de presente a vivência de um período super bonito. Pude conhecer um montão de colegas de trabalho, compartilhar angústias, ouvir a natureza do problema deles e eles a dos nossos, entender as especifidades de manter a grama verde na rádio, na TV, na agência de notícias… Nos fortalecemos com a certeza de que o maior ganho no processo foi moral. Retomamos as atividades com um orgulho interior grandão, daqueles que só quem fez parte entende. No meu setor, fortalecemos laços, dividimos carinho, descobrimos que a Rita Lee tem Jones no sobrenome, enquanto pensávamos nas nossas questões. Levamos a greve a um karaokê, fomos os inconvenientes da noite, a cada música cantada abríamos o show com um “EBC em greve!” em uma pluralidade de sotaques. Podres Poderes recebeu dedicatória e plenos pulmões. Tentamos conquistar a simpatia do público do karaokê que, a certa altura já nos perguntava o que a gente dizia insistentemente antes de cantar, brincando de The Voice Strangers virando cadeiras de plástico até para os mais desafinados dos peitos.

Você foi legal no nosso aniversário, Brasília, vou dar um pulo nos hermanos com a Loli, tenha a mesma generosidade na volta.

Um beijo e um queijo para o time fiel que acompanha Com Afeto. Minas, chego breve!

Assim assado

Tenho certeza de que a vida vai dar certo, mesmo com toda a cama, com toda a fama, com toda a lama. Enquanto for capaz de chorar com La Barca, tudo vai funcionar. Enquanto conceber que a panaquice é alheia, está tudo nos conformes. Enquanto puder sacudir, levantar a poeira e dar a volta por cima, serei eu com os meus que não me abandonam jamé. Em qualquer lugar, a gente é total. Mesmo com a boca roxa de vinho, há qualquer coisa de bonita na diferença. E seremos a diferença num mundo de alegria e preguiça. Até o dia em que for tudo mais ou menos fácil. A gente só pede um pinguinho assim de sinceridade num mundo criado a leite, pêra e Ovomaltine. Porque o amor é rock, segundo Tom Zé. E, como diz, Leila Diniz, deixe que digam, que pensem, que falem. Quando for pra ser, será leve e suave coisa. Pena de quem não viu.       

 

Carnavalizar

Hoje o WordPress desejou um feliz aniversário da nossa parceria, fico pensando em como este espaço foi meu único endereço fixo nos últimos três anos e em quanta coisa nova pintou. Meus afetos invadiram o Centro-Oeste, a Loli tá cada dia mais adulta, enquanto tenho adolescido e me sinto tão mais parecida com a gente grande que quero ser. Duas amigas estão perto de casar na igreja, acompanho o processo de uma delas de pertinho. Parece kafkiano em demasia, mas ter que prometer a um diácono não utilizar métodos contraceptivos em um suposto juramento de sim/não é o processo por si só. Ela cruzou os dedinhos do pé e mentiu deslavadamente num jogo de raciocínio lógico pouquíssimo apurado que poderia chamar “O que o diácono faria?”. Então percebi que se é da vontade seguir as vias da tradição, ainda assim você pode encontrar brechas, as Profanações do Agamben estão lá para isso.

Ontem foi a despedida de solteiro da amiga em questão, morri de medo de pararmos em algum caminho esquisito, um bando de histéricas diante de uma mesa de doces em formato fálico ridicularizando a noiva com qualquer pagamento de prenda barato (Já não bastava ela ter que ouvir “você é a noivinha?” e ser tratada como uma mulher marciana na loja em que fez a lista de presentes?). Os doces estavam amorosamente enrolados (ufa!), e a prenda tinha a ver com uma dose de Seleta para todo e qualquer elemento da festa que errasse a brincadeira. Acabamos saindo igualmente tortas e etilicamente histéricas, muito mais justo, por supuesto. Então pensei que não há muito a temer quando se faz as coisas do jeito em que a gente acredita, ainda que se cumpra qualquer elemento da tradição.

Ou isso e aquilo

Em uma mesa de bar alguém sugeriu que o descontentamento com o trabalho que se faz está virando uma constante da nossa geração. Pela estatística cervejal, de cada dez amigos questionados, nove tinham algum reclame, esperavam mais do emprego que ele poderia dar, não somente em termos financeiros, mas sobretudo em matéria de satisfação. Um texto que foi furor nas redes sociais veio à tona, de como a gente foi criado acreditando ser especial, tendo a grama verdinha em um universo de unicórnios que vomitam arco-íris, quando, em verdade, não há lugar para tantas criaturas especiais neste mundo de meu Deus, já que a própria definição da palavra está relacionada ao que não pode pertencer a todos. Então falaram de Frances Ha, o filme doce e até um pouquinho irritante pela recusa continuada de Frances em crescer, que retrata a confusão na casa dos vinte e mais anos e tem representantes divertidos por lá. O sujeito que está ocupado escrevendo uma sketch que acredita poder fazer sucesso no próximo Saturday Night Live, quando não resolve partir para o roteiro de Gremlins 3; Frances, que sonha com uma carreira artística maior do que o próprio talento; Sophie, que muda para o Japão com o noivo e detesta a vida por lá, mas faz um Blog recheado de fotos alegres e descoladas porque a mãe não leria sobre a filha em depressão… Está todo mundo ali, em Nova York, pagando caro para viver, como a gente paga em São Paulo, no Rio, em Brasília, mas vivendo, ainda que a madureza venha antes para uns que para outros.

Crescer pode até significar alguns engavetamentos e adequações, mas seria muito triste que a gente parasse de sonhar. O discurso do presidente uruguaio Pepe Mujica na Assembleia da ONU poderia estar naquela conversa de bar, para que sobrevivamos ao que está colocado com o cuidado de não constituirmos “homenzinhos médios das grandes cidades perambulando entre os bancos e o tédio”. Aqui fico com meu amigo Gê, há de se cultivar uma vida mais “viniciana”, não no sentido de grandes paixões ou vícios, se bem que, como queira, mas sobretudo no sentido de grandes encontros. Mujica fala de um dever biológico para com a vida, é bonito pensar que somos puro milagre: “Pensemos na causa profundas, na civilização do esbanjamento, na civilização do usa-tira que rouba tempo mal gasto de vida humana, esbanjando questões inúteis. Pensem que a vida humana é um milagre. Que estamos vivos por um milagre e nada vale mais que a vida. E que nosso dever biológico, acima de todas as coisas, é respeitar a vida e impulsioná-la, cuidá-la, procriá-la e entender que a espécie é nosso ‘nós’.” A sonhar, portanto, minha gente querida, a viver!