Fuerza Bruta

Ela me contava com um risada orgulhosa e previamente carente do dia em que teve alta na terapia. Durante um ano, uma vez por semana, ia passar a limpo a maquinação infinita que era a sua cabeça. Ficava satisfeita por transformar em verbo o vivido, por tentar achar palavra precisa para o embaraço que às vezes levava no peito, por conseguir rir do que, por não ter solução, resolvido está. Ademais, havia encontrado um interlocutor bacana que teve a sensibilidade de socorrê-la quando a peteca parecia cair e acercou-se do ponto que efetivamente pegava, recorrendo à mitologia, à poesia, a Caetano.

Uns meses antes de ouvir com firmeza que o trabalho que faziam “estava concluído”, começou a questionar se manteria a sanidade diante da proposta de que as sessões fossem mais espaçadas. De 15 em 15 dias passaria a frequentar o horário que um dia havia sido semanalmente seu. Havia uma recorrência na playlist da sala de espera, sinal de que sempre se atrasava a mesma quantidade de tempo: chegava ao som de Angie, dos Stones, e ia embora com Dancing Queen, do Abba.  E talvez saísse mesmo meio assim, young and sweet, ainda que não tivesse seventeen. Por mais que parecesse não ter nada pra dizer, vinha palavra.

Tanto que, ao deparar-se com a primeira tentativa de fechamento de ciclo na terapia, relutou de maneira involuntária, porém bastante consciente. Ganhou tempo para manter aquele espaço de fala até receber uma dispensa oficial, algo enfática e igualmente bonita. Ela fazia uma consideração com risada: “Foi meu primeiro pé na bunda vindo do terapeuta”. Pensou que deveria estar mesmo mais forte do que imaginava. Sabia que tinha ganhado uma nova liberdade, ainda que tateasse a maneira de utilizá-la.