Los justicieros tcha tcha tcha

De repente toda aquela vizinhança que economiza os bons dias no elevador uniu-se em torno da mesma causa. O João do 319 gritava madrugada adentro e eu, que agora tenho muitas noites dedicadas ao horário de trabalho vampiresco e pouquíssimas nos braços de Morfeu, me questionava se o condomínio era assim movimentado nas minhas ausências. João berrava pastoso, embolava mais que repentista dos bons, acusava de traição o vizinho da porta de frente e atirava coisas no chão, pelo barulho, talvez uma coleção de bolas de boliche.

Pensei em dor de corno, com a chatice e inconveniência do sujeito, um par de guampas era pouco. O caldo engrossou, quando imaginei que Waldick Soriano entraria em ação, a agressividade do rapaz ficou mais forte. Assim, na terra das privacidades extremadas, as luzes das varandas eram acesas às duas e meia da manhã, todo mundo surgindo em trajes sumários. Quem fingia não se ver pelos corredores tantas vezes antes, agora comentava sobre o tal João possuído pelo ritmo ragatanga. Descobri que ele tinha histórico negativo no reduto e, pela efervescência da piração, o sangue não era meramente etílico.

Chegou o porteiro, chegou a polícia, chegou a paciência da nação. Nada detinha João. A gritaria foi até às sete, agarrei ‘Pogue, o Pinguim’ pelo pescoço e nos escondemos debaixo das cobertas como quando se dormia na roça do vô depois daquelas histórias de assombração ao redor do fogão de lenha. Nessas horas, você torce para não querer fazer xixi até a luz do dia chegar e para o sono aparecer rapidinho.

Na tarde daquele dia, pouquíssimo dormida, esperava na portaria por um casal de amigos para buscarem comigo o carango vermelho e impertinente na concessionária. O assunto dos que passavam era o mesmo, o povo contra João, ele havia conseguido despertar a ira coletiva e aproximar um prédio pelo desafeto comum. No elevador ninguém temia perder-se em uma conversa desnecessária sobre a chuva, o calor, o frio. Havia João. Havia o ímpeto dos vizinhos de 20 anos que prometiam porrada na cara de João, a menina do braço engessado que já dizia estar com a luva pronta, o pessoal da portaria distribuindo as castanhas que um deles comia durante a tarde para fortificar os músculos da turma no confronto.

Comecei a achar tudo muito engraçado, e também me vi comendo aquelas castanhas da luta, embora sem perspectiva alguma de confronto braçal, o rapaz necessitava de outro tipo de interdição. Uma vizinha iogue se aproximou, afirmando que João precisava exclusivamente de ser desobsediado, tentaria contato familiar. Fiz uma piada sobre exorcismo, ela ficou puta com o termo e me deu uma aula não solicitada explicando que aquilo não tinha lé com cré. Então tudo virou um samba do crioulo doido e eu não conseguia parar de rir. A vizinha iogue se despediu, ela já estava quase na garagem quando ouviu alguém usar outro termo espiritualmente equivocado na conversa, deu meia-volta, deu outra aula. E os moçoilos de 20 anos faziam mais planos para utilizarem toda a hipertrofia muscular quando cruzassem com João e ele fizesse mais uma de suas grosserias rituais, descobri ali que ele tinha a pouca educação por hábito.

Meus amigos chegaram, ao que foram prontamente convidados a integrar o Clube da Luta. Depois de mais umas risadas, criamos tento e nos despedimos dos vingadores da portaria. Por dentro, de alguma maneira, agradecia ao João, por promover o encontro de uma turma pudica em momento “pijamudo”, pelo arrebatamento de energia tão bonito de se ver na moçada da portaria que bolava uma estratégia nada hippie e sabidamente – inclusive por eles – inviável para solucionar o ataque do vizinho, e, mais bacana, por me ajudar a perceber quanta vida há ao redor.